Dentista, você já passou por uma situação em que o paciente simplesmente sumiu no meio do tratamento?
Seja de aparelho ortodôntico, ou de qualquer outro tipo de procedimento, esse abandono do tratamento odontológico pode trazer muita dor de cabeça se você não está resguardado legalmente.
E pensando nisso, trouxemos esse conteúdo completo sobre o assunto, para que você, dentista, esteja preparado para qualquer paciente que, por ventura, abandone o seu tratamento.
Vamos lá?
O que é o abandono de tratamento odontológico?
O abandono de tratamento ocorre quando o paciente, após ter iniciado seu tratamento com o cirurgião-dentista, deixa de comparecer às consultas seguintes para a continuidade do tratamento. Vale ressaltar que isso engloba qualquer tratamento iniciado.
O abandono também pode ser caracterizado caso o dentista tenha prescrito ao paciente cuidados específicos para casa e essas orientações não são seguidas. Ou seja, tratamento com medicamentos por certo período de tempo ou o uso de aparelhos de forma específica.
É importantíssimo que o paciente tenha sido informado sobre o seu dever de comparecer e seguir as orientações, bem como sobre as consequências financeiras e as consequências que o abandono causará ao tratamento. Esta informação deve ser devidamente registrada pelo dentista a fim de se resguardar juridicamente.
Por que preciso informar e registrar a informação em documento específico?
A informação adequada é dever ético e legal do profissional, instituída pelo art. 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC)e pelo artigo 11 do Código de Ética Odontológica.
Por sua vez, a necessidade do registro se dá porque no meio jurídico tudo o que for alegado e não houver provas é como se não existisse. Ou seja, se você informar ao paciente somente de forma verbal e em eventual processo ele alegar não ter sido informado, é a palavra dele que prevalece em detrimento da sua, em regra.
Além disso, registrar em documento adequado os deveres das partes dá a ambos o direito de exigi-las posteriormente, caso seja necessário.
Quais problemas o abandono de tratamento odontológico pode causar?
O abandono de tratamento odontológico pode acarretar uma série de problemas para o dentista. Vejamos abaixo os principais:
- O paciente achar que pode suspender o pagamento acordado, às vezes mesmo que não tenha realizado o pagamento sequer de um procedimento completo;
- O paciente ficar descontente com o resultado e fazer “propaganda negativa” do estabelecimento e do profissional em sites como reclame aqui, por exemplo;
- O paciente ficar descontente com o resultado e promover ação;
- Em ação, o dentista ser condenado pelo resultado negativo ou não esperado, caso não comprovado o abandono;
- Também em ação, o dentista ser condenado pela ausência de informação adequada sobre os riscos e consequências do abandono.
Como diminuir os riscos do abandono de tratamento odontológico?
Entre as principais formas de diminuir os riscos do abandono de tratamento odontológico pelo paciente está incluir no contrato de prestação de serviços o dever do paciente cumprir as orientações do cirurgião dentista até o final do tratamento.
Incluir também no contrato uma cláusula detalhando como será o pagamento no caso de abandono.
Já no plano de tratamento, o dentista deve detalhar quanto custa individualmente cada procedimento realizado, quais os eventuais descontos aplicados e informar no contrato que o plano o integra.
Além disso, utilizar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual constará os riscos e consequências do abandono do tratamento (além de outras informações essenciais).
É importante ter em sua clínica um protocolo para comprovar o abandono. Não se esqueça de sempre anotar as informações correspondentes no prontuário odontológico.
Preciso implementar tudo isso para estar protegido?
Muitas clínicas e consultórios odontológicos não têm sua documentação organizada. E às vezes trabalham sem contrato, sem TCLE, sem prontuário.
Ou até mesmo tem essa documentação, mas são modelos genéricos, feitos por pessoas não especializadas ou retiradas da internet ou, pior, não estão corretamente preenchidos.
É importante o cirurgião-dentista compreender que cada documento possui uma finalidade. Dessa forma, fazer apenas um documento para todas as finalidades (por exemplo, incluir os riscos do tratamento no contrato de prestação de serviços) pode trazer complicações para si. Como, por exemplo, a responsabilidade por informar inadequadamente aos pacientes.
Ter vários documentos não afasta seus pacientes, mas dá a eles mais segurança, assim como traz segurança para sua atuação.
Adequar toda documentação não é fácil. Requer conhecimento especializado sobre o necessário para validade jurídica da documentação e adequação às normas éticas e legais.
Apesar disso, implementar apenas uma das soluções já auxilia na prevenção de risco e na defesa do profissional. Lembrando que quanto mais soluções estiverem implementadas, menos risco o profissional estará sujeito.
Pensando nisso e nas soluções aqui trazidas para diminuir o risco no caso de abandono do tratamento do paciente, resolvemos detalhar melhor sobre o protocolo para comprovar o abandono
Abaixo, seguem itens que não podem faltar no seu protocolo de comprovação de abandono de paciente:
- Manter contato periódico com o paciente para constatar se as orientações estão sendo adequadamente seguidas (o intervalo entre um contato e outro pode ser adequado a cada tratamento e realidade de cada profissional);
- Anotação constante no prontuário odontológico sobre cada comunicação e resposta do paciente;
- Encaminhar notificação extrajudicial por qualquer meio que possa comprovar o seu recebimento, para informar ao paciente a caracterização do abandono e reiterar as consequências clínicas e jurídicas.
Perguntas frequentes sobre abandono de tratamento odontológico
Chegou até aqui, mas ainda tem algumas dúvidas sobre o abandono de tratamento odontológico e suas consequências? Acompanhe as principais perguntas sobre esse assunto abaixo.
Por que a suspensão do pagamento é um risco?
Porque se não houver descrição adequada dos procedimentos e respectivos valores individuais, o paciente não tem clareza de quanto deve pagar pela consulta ou tratamento realizado.
Assim, um tratamento já realizado poderia ficar sem o pagamento integral.
Por que o paciente pode promover uma ação mesmo se não houve erro no procedimento, com único fundamento no resultado inesperado?
Isso se dá pelo direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal). Este direito garante às pessoas que se sentirem lesadas o direito de acionar o judiciário para se verem reparados pela lesão que ela alega.
Nesse caso, caberá ao judiciário a decisão sobre ter realmente havido ou não a lesão e o dever de reparar.
Por que se não comprovado o abandono, pode haver condenação, mesmo se ele realmente tiver acontecido?
Isso acontece porque no meio jurídico tudo o que for alegado deve ser comprovado. Ou seja, se em sua defesa você alegar o abandono, mas não conseguir comprovar, é o mesmo que não tivesse alegado. E tal fundamentação pode tornar-se inútil para sua defesa, a depender da situação processual.
Por que a ausência de informação pode ser causa para uma condenação?
Por conta do dever-direito de prover informação adequada. Se o paciente não for adequadamente informado sobre os riscos e consequências do tratamento e seu abandono, e eles incidirem no caso em concreto, houve erro odontológico pela ausência de informação adequada, é o que o judiciário entende.
Caso o paciente soubesse dos mencionados riscos e consequências poderia ter escolhido não realizar o tratamento ou, talvez, não abandoná-lo.
Esses fatos podem ensejar a ele o direito de ser indenizado pelos riscos ou consequências incidentes, mesmo que tenham sido causadas por culpa de seu abandono.
Se o paciente está inadimplente, mas continua comparecendo aos tratamentos, eu posso suspender o atendimento?
Algo que deve ficar claro é que a inadimplência não é o mesmo que abandono de tratamento.
Enquanto a inadimplência se refere à ausência de pagamento, o abandono de tratamento é a ausência às consultas designadas para procedimentos ou manutenção e a suspensão inadvertida das orientações profissionais, por exemplo.
Nesse caso, você tem duas opções: suspender o tratamento, mediante uma notificação oficial (lembrando que você deve fornecer todas as informações necessárias para a continuidade do tratamento com outro cirurgião-dentista e que, se for caso de urgência, você tem obrigação de atender, caso outro não possa realizar o atendimento).
A segunda opção é realizar o tratamento e depois buscar o recebimento dos valores pelos serviços prestados, pelos meios cabíveis (judicial e extrajudicialmente).
Modelo para notificação extrajudicial em abandono de tratamento odontológico
Vale salientar que todo modelo tem por base uma situação que pode ser diferente da sua e deve ser readequado para cada realidade.
Nesse caso, é indicado consultar um advogado especializado na área. Sempre com a finalidade de evitar qualquer ausência de informação que seja necessária para o caso em concreto.
O presente modelo se baseia em relação com paciente que foi firmada por meio de um contrato de prestação de serviços e que possui o TCLE implementado em seus procedimentos. No caso hipotético, o paciente abandonou tratamento com previsão de três procedimentos para ser realizados, que foram integralmente pagos.
Preencha abaixo e faça o download do modelo:
Esperamos que esse conteúdo tenha esclarecido as suas dúvidas a respeito do abandono de tratamento odontológico. Não esqueça de compartilhar com os colegas de profissão e de comentar o que achou.
Agradecemos a leitura e até a próxima!
Este conteúdo foi escrito em parceria com Donizeti de Oliveira e Sandroni Sociedade de Advogados (@dos.advocacia), escritório especializado em Direito Médico e Odontológico.